Monday, April 27, 2009

RECORDAR O PASSADO - PELO HELDER SALGADO

A matança (1ª parte)

Para efectuarmos este acto é necessário termos, naturalmente, um porco.
A tradição que revela o acto, a nossa tradição concelhia, reza duas maneiras de o obter.
Comprá-lo já gordo ou engordá-lo, comprando-o pequeno.
Vamos escolher uma terceira.
Não há uma terceira? Olhe que sim.
Havia porcas que pariam mais porquinhos que tetas tinham.

Um deles o “caga no ninho” tinha grandes dificuldades em cativar uma teta, logo em alimentar-se. Uns morriam, outros sobrevivendo, iam-se atrofiando, na sua criação e ficavam sempre “enrelados”. Daí o dono da porca dar esse semi-enjeitado.

O novo dono criava o “relinha” a leite e a caldinhos de farinha, por biberão.
Reservava-lhe um canto da chaminé, onde dentro de um cabanejo ou caixote, com uma manta velha o porquinho tinha o seu berço.
Era um regalo vê-lo a dormir. Quando se lhe coçava a barriga, agradecia com um “rom rom” e um terno olhar. E que macia era a sua pele.
Crescido lá ia para o chiqueiro, a sua casa até ser morto.
Não é um animal de exigência alimentar. Na fase de crescimento a alimentação é leve, composta de uma aguada de travia, água com farelo e bagaço ou restos de comida.
Quando o dono o julgava já adulto, começava-lhe a dar comida a fartar.
A sua alimentação oscilava entre, bolota, grão-de-bico, favas ou milho e travia agora mais densa. Diziam os entendidos na engorda de porcos, que a farinha de cevada era a mais adequada para o efeito.
Matei muitos porcos.
Herdei essa arte da tradição familiar. Ensinara-me o meu tio Peças, que por sua vez, a aprendera com o meu avô materno.
Tivemos uma porca branca, grande e mansa. E como gostava que lhe coçassem a cabeça.

O chiqueiro onde estava era largo e baixo, o que lhe permitia colocar o focinho por cima da porta. O portão do quintal, feito em barras de ferro distantes umas das outras, permitia-lhe ver a rua.
Foi fotografada inúmeras vezes por estrangeiros.
Quando estava com o cio, não havia portas que lhe resistissem.
Com o focinho apanhava a porta por baixo e lá ia ela de uma só vez.
Por vezes apanhava o portão aberto, partia a correr pela rua fora, escorregando aqui e acolá, nunca obedecendo a quem a tentasse estorvar.
O meu pai, por fim, já não se incomodava. Ia buscar um balde de lata com bolota ou favas e, batendo com elas no fundo do balde lá a ia convencendo a voltar.
Uma vez teve dezasseis “relinhas”, criou-os todos.
Que bonito e comovente, quando deitada, deixava mamar os porquinhos.
Que felicidade parecia transmitir no seu “um um”
E quando os pequeninos de barriguinha cheia, se espantavam e fugiam para dentro da pocilga? Vinham depois uns após outros até à porta, espreitando com a cabeça um pouco ao lado para melhor verem ao alto.
Vamos espreitar o chiqueiro, o nosso enjeitado já deve estar gordo.
Logo aos doze ou treze anos comecei a matar porcos.
O que mais me custava matar eram cabras, felizmente não matei muitas.
Custava-me sempre matar, mas as circunstâncias de vida a isso me proporcionaram.
O meu pai não era capaz de ver matar, retirava-se sempre, quer fossem porcos ou outros animais.
O quê?
Está capaz de faca?
Tragam-no, por favor.

A matança (2ª parte)


Enquanto vem e não vem, preparo a banca, composta de uma tábua só, com quatro pés,
ajeito o cordel com que vou prender a boca ao porco e dou um afio na faca.
De atalaia está uma senhora, a minha tia Antónia munida de um alguidar com um pouco de sal e de uma colher de pau, com que há-de mexer o sangue que sairá do animal.

Esta operação não deixará coalhar o sangue, que mais tarde servirá para fazer o sarapatel ou rechina, a primeira comida a sair do porco e para as farinheiras de sangue.
O porco desenvolveu-se bastante, cresceu e engordou e já foi colocado por três homens, em cima da banca, sem que estes antes tenham matado o “bicho”, não o porco, mas o deles, e ainda estão saboreando a boa passa caseira, dada pela figueira do quintal, depois de bebido o bagaço.
Apalpo a barbela do porco, certifico-me da entrada por onde a faca irá seguir, em direcção ao coração.
Não sei porquê, mas sempre me detive, com a faca apontada, alguns segundos.
Espeto a faca, e com ela espetada, faço dois movimentos que correspondem a dois golpes no coração.
Não me recordo de ter falhado.
Um rápido e abundante jorro de sangue sai do animal que grunhe aflitivamente.
Nunca contei o tempo de vida, entre a estocada e o final de vida, mas não irá além de mais de três a quatro minutos.

Segue-se a operação de chamuscar a pele.
Íamos, eu e os meus primos, buscar tojos, a um matagal, situado perto de Terena, uns setecentos metros. Havia duas espécies, o gatuno e um outro que nunca soube o nome, este mais denso, que ardia todo excepto o pé.
Levávamos um carro de mão, do meu tio Viegas, que eu ainda conservo.
O meu tio fora um zeloso Guarda Republicano, tão zeloso que um dia multou o sogro, meu avô materno, porque as galinhas andavam na rua.
Gostava do copo do “pegacho” como chamava ao copo (grande) por onde bebia o vinho.
A arte de chamuscar requeria algum cuidado. Não se podia dar muito fogo, para não se correr o risco de queimar a pele, pois, se isso acontecesse, ficaria amarela e estaladiça.
O mais difícil desta operação era a tiragem das unhas, que para saírem levavam mais fogo e requeria uma grande rapidez para não nos queimarmos.
A seguir vem a lavagem, com um regador, cuja água corria em bica, em cima das mãos das pessoas, que esfregando o corpo do porco, com um tijolo ou uma cortiça, o tornavam tão branco como a neve.

A matança (3ª e última parte)

Está capaz de ser pendurado, não sem que antes lhe tenha feito o rabo, operação que consistia num corte em circunferência em volta do ânus, que torcido não deixava sair as fezes. Levava dois golpes nas patas detrás de onde se destacavam os nervos, por onde se enviava o “chambarilho”, peça feita de pau, com duas alturas nas
extremidades, que suportava o porco, pendurado da madre do telhado.
Havia quem utilizasse, para pendurar o porco, uma escada. Preferi sempre a suspensão da madre, trabalhava-se mais a vontade.

Agora o porco está por minha conta e do meu tio Viegas.
As mulheres, a minhas tias Antónia e Gertrudes, prepararam os utensílios, tais como tabuleiros, alguidares, facas, tripas de vaca, pimentão moído e tudo o demais necessário ao enchimento da carne.
Vamos abrir o animal.

Começo por tirar a língua e algumas molejas da barbela, em seguida o do osso do peito.
Entre as pernas detrás do porco faço um pequeno golpe, onde meto dois dedos da mão esquerda, para proteger e acompanhar o bico da navalha, que abrirá toda a barriga do porco. As tripas acabam por cair num tabuleiro, onde as mulheres tiram algumas gorduras e ”tiés” que servem para fazer banha e torresmos.
Furei algumas tripas.
Segue-se a tiragem das “fressuras”, fígado, bofe, baço e o coração.
Observava sempre o coração para verificar o número de golpes, quando do espetar da faca.
Daqueles órgãos do porco sai a primeira refeição.
Segue-se a tiragem dos lombinhos, depois as banhas. Estas operações eram fácies de fazer, rompido o “tiés” bastava meter a mão e pressionar.
Quando o porco era comprado, uma das banhas pertencia ao vendedor, sendo pesada com o porco no dia seguinte ao da matança, o dia da enxuga.
Após a pesagem, já com o porco enxuto, é-lhe, ainda pendurado, corta cabeça, depois desce da madre e segue-se a operação de “desmanchar”.
O meu tio Viegas era o meu ajudante.
Começo por abrir o porco, ao meio com o auxílio de um machado.
Tiro os lombos, já a custarem mais a tirar do que as banhas ou os lombinhos, talvez pelo cansaço e a posição.
Na inserção do lombo no osso da anca, ficava (ou fazia-se por ficar) sempre um bocado.
O meu ajudante estava sempre desejoso que eu não me esmerasse na tiragem.
Quando tirado o osso, um bom bocado do lombo ficava a descoberto e fácil de cortar.
Os dois bocados eram levados, pelo meu tio, à Marianita, rapariga que esteve em casa de meus pais até casar, que os salgava de alho e sal. Depois de assados eram cá um petisco.
As tripas eram lavadas na água corrente do ribeiro de Alcaide, não me lembro de irmos ao Lucifecit.
A separação da carne dos ossos e a operação de migar, eram tarefas das mulheres e quase sempre à noite.
Depois era tempera com sal e pimentão ou com alho e sal, estando três ou quatro dias a tomar gosto.
Havia sempre muito cuidado para a carne não apanhar lua, em noites desta, claro.
Nunca consegui entender o porquê?
Depois vinha o enchimento, operação tão morosa como o migar, onde os bocadinhos de carne passavam por uns pequenos funis e assim iam enchendo as tripas do próprio porco e de vaca, fazendo nascer os paios, farinheiras, morcelas, chouriças e todos os seus derivados, que iam enxugar na chaminé, ao lume nas grandes noite de Inverno.

A matança era e ainda é, um pouco, sinónimo de fartura e de oferta, sempre se presenciava alguém com um jantarinho de carne.

A última matança.

E já passaram treze anos.
Falei da porca branca e dos seus filhos. Numa ocasião ficaram três porcos para engorda, destinados a serem mortos na casa. Já não tinha o meu ajudante, nem o meu mestre, mas ainda havia na família, pessoal suficiente e capaz para tal acto.
Fomos, eu, o Bráulio e as famílias e com algumas ajudas conseguimos, não só, matar os três porcos como tirar tês presuntos. Foi uma maratona de dois dias e dois serões de intenso trabalho.
É, sem dúvida, uma tradição em risco de se perder, não só pela falta de pessoas que a praticavam, como pela industrialização e o seu consequente comércio da carne.
No meu caso familiar a tradição da matança morrerá comigo.
Aquela foi a minha última matança, a matança da recordação e da saudade.

Hélder Salgado.
27-04-2009.
Fotos: Net

Tuesday, April 21, 2009

POR CÁ

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Thursday, April 16, 2009